Papo de Músico: Prelúdio ou Ave Maria?


A partitura é simples mas de grande densidade harmônica; o tom dos arpejos vai decrescendo durante quase dois minutos. É a música que eu mais gosto de tocar. 

Mas essa música intriga os leigos, que a confundem com uma das tradicionais Ave Maria’s, aquela do francês Charles Gounod.

Apesar da semelhança harmônica, trata-se de duas composições diferentes. A composição do alemão Johann Sebastian Bach não foi criada com o propósito de ser uma obra religiosa.

O Prelúdio n. 1 é a primeira música de uma compilação chamada “O Cravo Bem Temperado”. Essa obra reúne o total de 48 prelúdios e fugas (Vol. I e Vol. II),  que completam todos os tons musicais existentes. 

A primeira dupla de prelúdio e fuga está em C Maior, a segunda dupla em C Menor; a terceira é em C# Menor, a quarta em C# Menor e assim por diante. O prelúdio n.1 inclusive é uma demonstração objetiva de uma característica ímpar de Bach, o contraponto. Ele criava grandes sequências de modalidades tonais, direcionando a música para uma resolução e ao retorno à tonalidade original. 

Bach não costumava anotar a data em suas partituras, mas é provável que o Prelúdio n. 1 em C Maior tenha sido publicado por volta de 1722; e a Ave Maria de Gounod foi composta muito depois, no ano de 1853. 

A Ave Maria pode até ser considerada uma obra derivada. E derivações de obras e reutilização de melodias era comum até o século XIX na Igreja. O Hinário Luterano é cheio desses casos, por exemplo, o Hino 189, “Exultantes”, derivado do quarto movimento da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven. 

O prelúdio n. 1 é uma obra linda, e dizer que ele é a "Ave Maria" é um grande erro, além de alterar completamente o seu sentido, mudando a sua razão de existência.